28 nov

Obesidade, cirurgia bariátrica e desinformação, um risco a ser superado

Artigo

Há algumas décadas, e ainda hoje em alguns povos, ostentar um corpo volumoso com excesso de peso, era sinônimo de opulência, força, e saúde. O tempo passou e os organismos adaptados e selecionados ao longo de séculos para poupar energia, ao se depararem com a grande disponibilidade de alimento do mundo pós-revolução industrial, passaram a acumular mais e mais “opulência”. O resultado se refletiu nas estatísticas de excesso de peso – que hoje atinge mais da metade dos brasileiros – e na obesidade que acomete um em cada cinco adultos no país. Acontece que, juntamente com a obesidade, surgem o diabetes, a hipertensão, o câncer, o infarto, o derrame e inúmeros outros graves problemas de saúde que reduzem a qualidade de vida e elevam as chances de mortalidade por diversas causas.

Os riscos inerentes ao excesso de gordura estão demonstrados em vários estudos populacionais, entre eles, um publicado na revista Lancet Endocrinology, em junho de 2018, e que avaliou as causas de mortalidade de mais de 3,6 milhões de pessoas e sua associação com a obesidade. A pesquisa fortaleceu o conceito de que quanto mais pesado, maiores são os riscos. Mostrou que para cada 5 pontos a mais no Índice de Massa Corporal (IMC) acima do ideal, em torno de 25, o obeso apresenta chances 20% maiores de morrer. Homens com Obesidade mórbida (IMC>40) têm uma expectativa de vida nove anos menor do que aqueles com peso normal. Isso sem contar o impacto na qualidade de vida, nas limitações de mobilidade, nos distúrbios do sono e outras restrições que enfrentam as pessoas com graus elevados de obesidade.

Infelizmente, o arsenal de medicamentos para tratar pacientes com essa gravidade é limitado e os tratamentos conservadores, em sua maioria, não surtem o efeito desejado. Consequentemente, o que resta de alternativa para estas pessoas é o tratamento cirúrgico.

A cirurgia bariátrica vem evoluindo ao longo de décadas e transformou-se em uma ferramenta eficaz pelos seus expressivos resultados e pela sua efetiva segurança. Ao longo dos últimos 20 anos, as taxas de mortalidade da cirurgia despencaram para menos de dois casos para cada 1.000 operados. Muitos dos efeitos colaterais adversos são controlados ou minimizados com acompanhamento adequado e bons cuidados. A sensação de renascimento e resgate é tão marcante que muitos celebram a data de sua cirurgia como um novo aniversário.

Entretanto, sem qualquer razoabilidade, sempre que alguma fatalidade acontece, voltam-se os olhares e as críticas para o método. Pessoas sem formação médica, sem a capacidade de entender o balanço do risco-benefício, do fazer e do “não fazer”, demonstram preconceito.

Falam sobre a “banalização da cirurgia”, que é feita em menos de meio por cento das 13,6 milhões de pessoas que tem indicação no país. Mas, na verdade, o que banalizam é a doença, desconhecendo ou desprezando o sofrimento dos que convivem com ela.

Os médicos, ao fazerem recomendações, estabelecerem protocolos, e definirem um tratamento, se baseiam em evidências científicas, em dados. São profissionais treinados para isso. E não se omitem em reconhecer eventuais equívocos, em abandonar ou corrigir os rumos de suas condutas, todas as vezes que novas tecnologias ou evidências aparecem. Como disse Edward Demmings, o estatístico americano que revolucionou o conceito de qualidade em gestão, “sem dados você é apenas uma pessoa qualquer com uma opinião”.

Entretanto, se o cirurgião bariátrico, com seu bisturi e anos de estudo, é capaz de salvar e melhorar as vidas de tantas pessoas, textos sem amparo científico e estatístico podem gerar dúvidas, incertezas e medo em uma parcela da população que poderia ter, com o uso da boa medicina, uma melhoria na sua qualidade de vida e muito mais tempo pra viver.

É necessário portanto comedimento, equilíbrio e conhecimento para formadores de opinião leigos abordarem questões de saúde. Como diz o provérbio alemão ilustrado na célebre gravura de 1512 “Apelo aos Tolos” de Thomas Murner, “Não jogue fora o bebê junto com a água do banho”. Não devemos generalizar as exceções, não podemos basear a regra por casos isolados. Deixemos a ciência para os cientistas.

Marcos Leão Vilas-Boas é médico, cirurgião e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM)

Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores

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